
A primeira etapa depois do corte no WT marcou de fato o início de um novo tour. Com a entrada de três “moleques” na elite (Pupo, Medina e John John), parece que a linha que divide a nova geração da velha ficou mais óbvia. De um lado, a vanguarda: os caras que estão saindo do status de promessa e “movie star” para efetivamente traduzir o surf progressivo em notas. Do outro, um pessoal já acomodado no tour e com um entendimento maior da fórmula da vitória, porém agora, pressionados à saírem de sua zona de conforto para mostrar serviço.
Um exemplo perfeito desse cenário aconteceu na bateria dos aussies no Round 4, com Julian Wilson, Joel Parkinson e Mick Fanning (alguém viu ele?). O garoto de Sunshine Coast, Julian Wilson, voltou de base trocada de um lindo varial off-the-lip e depois mudou novamente de base só pra fechar com um aéreo reverse. Aposto que depois dessa os juízes mandaram chamar Josh Kerr para perguntar primeiramente o que estava acontecendo e depois o que fazer quanto as notas. De backside, Julian estava dando um show de estilo e liderava a bateria. Porém, nos últimos minutos, Parko (também de Sunshine) usou de toda sua experiência para conseguir dropar na frente de Julian, sem causar uma interferência, e surfar de forma previsível e brilhante uma onda até a beirinha, atacando o lip cinco vezes e finalizando com um singelo aéreo reverse. Joel não só venceu aquela bateria, como disse depois em entrevista que o varial de Julian Wilson foi feio. Os dois voltaram a se enfrentar nas quartas e Julian escovou, com direito a alley-oop e tudo mais.
Pois bem, isso tudo faz sentido e funciona muito bem na teoria, se não fosse por um detalhe. É claro: Kelly Slater. Sendo ao mesmo tempo o cara mais novo e o mais velho a ser coroado campeão mundial, o careca vem colecionando esses títulos há quase duas décadas. É o único surfista na elite que consegue escolher precisamente a hora de ser progressivo e a hora de ser calculista para ganhar uma bateria. Muitos o chamam de extra-terrestre, mas pessoalmente, acho que ele vive como no filme “Matrix“, em uma realidade na qual consegue alterar a gravidade, como em um macete de videogame. O problema é que, assim como todo macete de videogame que é usado além da conta, a brincadeira perde a graça.
Pelo visto o careca já deixou de ser engraçado pra Mineirinho há algum tempo. Isso ficou claro nas imagens do final da bateria entre ele, Taj e Jeremy Flores no round 4. Adriano de Souza, logo após ganhar uma disputa contra Taj sob bastante pressão, aparece aos berros, apontando e provocando Slater, que até então remava calmamente para disputar a bateria seguinte.
Em entrevista, Mineirinho alegou ter dito para Slater: “Está vendo como Taj me marcou? Faz parte do jogo. Ele faz pressão e ninguém fala nada, já se fosse eu, todo mundo estaria falando.”
Mineiro fez uma menção direta ao incidente ocorrido na etapa de Porto Rico do ano passado. Depois de sofrer uma forte marcação do brasileiro em uma bateria, Slater o ridicularizou em entrevista. Depois os dois se enfrentaram novamente nas quartas, quando Slater se sagrou deca-campeão mundial.
Está certo que isso já faz um ano e que não sabemos exatamente o que foi discutido dentro d’água naquela hora para julgar se a atitude de Mineirinho é justificável. Mas uma coisa é certa: muitos sentiram prazer em ver aquela imagem do careca respondendo Mineirinho, batendo na água. É como se o brasileiro estivesse falando por muitos de nós que queremos ver o circo pegar fogo.
O que nos leva de volta ao macete do Matrix. Se tem alguma técnica que Slater aprendeu a dominar nestes 20 anos de tour, além da alteração de gravidade, foi a frieza com que administra suas baterias. Cutucar o leão com vara curta, quando esse leão é Kelly Slater, já foi provado ser uma roubada. Mas nesse caso, Mineirinho não teve a oportunidade de enfrentar o careca, já que acabou perdendo contra Heitor Alves nas quartas.
Heitor, por sua vez, foi o melhor brasileiro no campeonato, perdendo para Slater na semi e garantindo seu melhor resultado até hoje, a terceira colocação.
O destino quis que Kelly tomasse conta de um outro problema na final. O “Avatar“. Com 1.90m de altura, 78kg de puro músculo e uma 6’2, o australiano Owen Wright, de 21 anos e um porte de super-herói, parece ser o único surfista com frieza e consistência suficientes para fazer frente a Slater nos momentos decisivos de um campeonato. Pela terceira vez seguida, Owen encarou Slater na final e nos segundos finais de uma batalha sensacional, Slater, liderando e com a preferência, deixou Owen ir em uma ótima onda, que ele usou para virar a bateria. Se não fosse pela onda de trás que Slater pegou, calmo como quem já tinha tudo programado naquele código de letrinhas verdes estilo Matrix. Ele saiu da água e acompanhou pessoalmente as notas sendo computadas na tela da tv, garantindo sua 48ª vitória no World Tour.






















