360, 540, full rotation, double spin, reverse e a lenda do 720

Assim como quando Albee Layer completou seu inédito Double Spin no ano passado, com o viral do vídeo de Kelly Slater voltando de seu último aéreo inédito em Peniche a discussão a respeito das nomeclaturas dos aéreos volta à tona. Enquanto alguns veículos de mídia preferem não tomar partido, apenas atrelando algum adjetivo forte ao aéreo, outros usam de diferentes nomes e apelidos, sem contar o caos que toma conta das áreas de comentários dos sites especializados ao redor do mundo.

A verdade é que contar a rotação de um surfista não é física nuclear, mas então porque tanta confusão? Bom, primeiramente porque estas manobras, apesar de serem feitas no skate e snowboard desde os anos 80, são uma novidade no surf. O surf ficou por muito tempo preso às batidas e rasgadas. Um skatista conseguiria reconhcer um 540 só pelo barulho das rodinhas aterrissando no cimento. Mas para dificultar ainda mais, o surfista está sempre correndo paralelamente à parede de uma onda, fazendo com que o ângulo da prancha ao descolar da água varie muito, e no final das contas, o exato ângulo total da rotação nunca mudou o nome destas manobras no skate e snowboard, elas sempre foram arredondadas.

Tendo isso dito, talvez por causa deste atraso da evolução dos aéreos no surf em relação a outros esportes de prancha, também por conta da inegável dificuldade para executá-los em cima de uma prancha de surf, as rotações já conhecidas ganharam novos apelidos no surf, desde quando começaram a ser feitas. O Frontside Air ou Backside Air é um simples “aéreo reto” sem rotação, com um grab da mão de trás na borda mais perto dos dedos do pé (Fs), ou mão da frente na borda mais perto dos calcanhares (Bs). Chamar isso de um 180º no surf seria um crime, por conta da rotação real que a prancha exerce na prática. Porém, em qualquer outro esporte de prancha, se adicionado uma meia rotação, vira um 360º, com o rider aterrissando de fakie. No surf, isso sempre foi um 180º Air Reverse, com o rider aterrisando de fakie, andando na sua base certa, mas na direção contrária, “de rabeta”. Aí que está o problema… Não se surfa de fakie! O surfista que está de fakie só precisa de uma oportunidade de fazer um “reverse” o mais rápido possível, o que na termologia improvisada do surf significa girar 180º na água para voltar a sua base normal antes que seja derrubado. Isso faz do “reverse” um adendo praticamente redundante no nome dos aéreos de surf, já que se o surfista aterrisa de costas é claro que ele irá precisar voltar a sua base normal. A não ser que ele execute este reverse no mesmo impulso da rotação do aéreo, como vemos muitos aerialistas fazer hoje em dia. Dessa forma não se “anda de costas” (fakie), o surfista cai de rabeta mas completa a rotação com mais 180º na mesma hora, justificando o reverse no nome do aéreo (apesar do reverse ser, ao pé da letra, um giro de volta na direção contrária da rotação principal, mas isso foi outro detalhe ignorado desde sempre no surf), como vemos no exemplo abaixo de Victor Bernardo em Rocky Point.


Victor Bernardo em Rocky Point. Fotos: André Portugal

Mais redundante ainda é o termo “full rotation”, que significa – adivinha! – uma rotação completa. Ou seja, um 360º. Se fossemos seguir à risca o modelo de nomeclaturas do skate e snowboard, isso significaria que este trunfo que assistimos os surfistas mais modernos da atualidade fazer repetidamente na verdade seria um 540 (o surfista aterrissa em sua base certa, assim como no skate e snowboard), e o mais recente aéreo inédito de Kelly Slater, um 720º, é claro.

Quando Albee Layer completou aquele bizarro Alley Oop no ano passado também confundiu muita gente e o aéreo chegou a ficar amplamente conhecido como um 720º. Na verdade, um Alley Oop convencional tem um giro de apenas 180º (como demonstrado por John John Florence aqui embaixo de forma categórica), e Albee adicionou mais uma meia rotação (180º) no giro, fazendo dele então um Alley Oop 360º. Mesmo que contássemos com o reverse já na água, a rotação completa totalizaria 540º, mas 720º… ainda não! No final, mais um apelido foi inventado e o aéreo de Albee Layer hoje atende pelo estranho nome de Double Spin.


John John Florence em Keramas durante o Oakley Pro Bali 2013. Fotos: Junior Enomoto

Se você ainda está se perguntando como chamar o aéreo de Kelly, esqueça o reverse, ele fez meia rotação a mais que um 360º full rotation, logo, um 540. 540 Reverse é redundante, 540 Full Rotation é nonsense e 720… ainda não! Agora, caso o surf comece a aderir a mesma lógica do skate e snowboard em quarters, prepare-se para ver um até então inimaginável 900º muito em breve quando alguém conseguir aterrissar o aéreo de Kelly com a última meia rotação sendo feita no ar (provavelmente ele mesmo daqui a pouco, quem ousa duvidar?)… ou, caso contrário, um “double full rotation”!

Assista ao 540 de Kelly Slater.

Assista ao Alley Oop 360 (ou Double Spin) de Albee Layer.

Sessão Hang LooseSurf