ASP Muda o jogo e a brincadeira fica esquisita

A recente parceria da ASP com a agência de mídia ZoSea formulou um novo WCT que tivemos a oportunidade de começar a conhecer com a estreia da temporada 2014 na etapa Quiksilver Pro Gold Coast.

Entre as mudanças mais notáveis na transmissão do webcast, pudemos perceber a americanização do Tour, com uma imagem e um estilo de condução que se assemelha bastante ao das transmissões de futebol americano (NFL), e a intensa presença de anúncios e patrocinadores de fora do escopo do surf. No entanto, outras mudanças só começam a aparecer agora.

O vídeo acima, que seriam os highlights do primeiro dia de evento em Snapper Rocks, exibiu esta mensagem ao ser clicado em todos os veículos de mídia onde foi postado. À partir de agora, assim como Dana White fez com o UFC, a ASP visa deter os direitos de todo o material produzido em um evento do circuito mundial e centralizar em si própria o máximo possível de informações relacionadas ao surf profissional. Isso gera diversas consequências que ainda prometem vir à tona durante o decorrer do ano, então vamos analisar alguns dos fatores que contribuirão com isso:

Vídeos e fotos dos eventos e seus atletas serão veiculados no próprio site da ASP. A oportunidade de lucrar trabalhando com um evento da ASP viabiliza por exemplo a existência de veículos de mídia alternativos que fomentam um público direcionado, assim como a Layback. No mínimo, espere um foco voltado ainda mais para o freesurf por aqui e uma “mesmice” maior no que diz respeito ao surf competição nas mídias em geral.

Menos opinião, mais auto-promoção. Há poucos meses, a ASP entrou em contato e contratou o jornalista especializado Lewis Samuels, famoso por suas críticas descomedidas a atletas do Tour na sua extinta coluna Power Rankings originalmente veiculada pelo site Surfline. A ideia era ter o infâme Power Rankings realizado no próprio site da ASP, mas alguns dias após a matéria de estreia, a coluna foi retirada do ar e o improvável emprego novo de Lewis voltou a se tornar improvável. O jogo Fantasy Surfer, criado pela revista californiana Surfer Magazine também teve sua versão “oficial” incluída no novo site da ASP. Com o cabo de guerra dos direitos autorais sobre áudio, fotografias e filmagens, será cada vez mais escassa a informação que não vem oficialmente da ASP.

O que é meu é meu, o que é seu também é meu. O fotógrafo Peter Joli também foi procurado pela ASP há alguns meses, com a oferta de um emprego oficial fotografando os eventos do Tour. Ele já faz isso por conta própria há mais de duas décadas, e acumulou o maior acervo do surf competição do mundo, tendo seu material constantemente publicado nos maiores veículos especializados. Após seu pedido de maiores informações sobre a posição que lhe foi oferecida, a ASP não o procurou novamente. No primeiro dia de evento em Snapper Rocks, Joli foi um dos fotógrafos surpreendidos pelo termo requerido para sua credencial de imprensa: “Eu aceito conceder totais direitos sobre o material de áudio, vídeo e fotos que eu gerar durante o evento para a ASP”. As novas condições que foram estipuladas não só impedem o fotógrafo de lucrar ou fazer qualquer uso de seu próprio material, como também invalida duas décadas de acervo de imagens acumuladas por Joli, por exemplo. Apesar da mudança nestas condições, após a pressão por parte dos fotógrafos, o material hoje tem permissão de uso editorial, mas a atitude gerou grande desconforto para os profissionais que documentam estes eventos, incluindo Joli que ainda aguarda um pedido de desculpas oficial da ASP.

O material oficial dos eventos da ASP hoje está armazenado no Getty Images (o maior banco de fotos da internet). O preço mínimo de uma foto para uso editorial em um site é de R$170 reais, limitado a uma semana de uso. Isso coloca um custo de pelo menos R$3.000 em uma galeria de 20 fotos, não só protegendo o material de ser usado (pelo menos legalmente) pela grande maioria da mídia especializada, mas também desestimulando novas produções tanto indepententes quanto das grandes marcas, que provavelmente terão menos interesse nos atletas que passarão a ser menos expostos. Os primeiros indicativos deste desestimulo foram as retrações da Volcom e Oakley como patrocinadoras das etapas de Fiji e Bali no WCT. Outro exemplo é a Ford, que tem como único atleta patrocinado o campeão mundial Mick Fanning e no ano passado foi a apresentadora oficial da etapa de Bells Beach. A impossibilidade de usufruir da simples imagem de Mick erguendo um troféu da ASP que seja, poderá pesar no valor (primordialmente como surfista competidor, neste caso) que Mick tem para a marca e a Ford já não tem uma ligação com a etapa de Bells este ano.

Após um contato com a responsável pelo relacionamento de mídia da ASP, Kirstin Scholtz, e João Carvalho, que responde pela ASP na América do Sul, os esclarecimentos não eram muito animadores.

“Pois é, não tem mais [imagens disponíveis para mídia] nessa página nova justamente por isso, porque alguns copiavam livremente as fotos em baixa sem autorização da ASP, então para ter mais opções só pagando mesmo para a Getty Images…”, foi como começou a resposta de João. Após o esclarecimento sobre a legitimização do uso – pago – das imagens da ASP pela Layback em seus quase 3 anos de existência, o motivo apresentado pareceu um pouco fútil, principalmente após a notícia da nova estratégia do próprio Getty Images, implantada esta semana, que permite o mecanismo de Embed (assim como o dos vídeos do YouTube, que normalmente podem ser publicados em qualquer página na web) das fotos contidas em seu banco de dados.

Após participar do cabo de guerra de direitos autorais na internet por anos, e perceber que milhões de pessoas estão usando suas fotos sem uma licensa ao redor do mundo inteiro, a Getty Images já não considera viável a abordagem da questão envolvendo advogados e processos judiciais. “Existem duas formas de se ver o mundo,” disse o vice-presidente da empresa, Craig Peters, para a publicação Bloomberg Businessweek. “Pessoas compartilhando conteúdo sem uma licensa é um problema – ou uma oportunidade”. O conteúdo patrocinado, assim como vemos hoje nos vídeos do YouTube, é uma das opções de retorno financeiro nos planos da empresa, mas por enquanto não há nada definido quanto a isso. No caso da ASP, seu banco de fotos é fechado no Getty Images, impossibilitando esta função, e seus vídeos de YouTube continuam aparecendo com uma mensagem de bloqueio pelos sites e blogs que ainda insistem em os postar pela Web. Será que era deste tipo de medidas que o surf profissional necessitava para sua evolução?

A padronização e a rigidez do novo Modus Operandi da ASP afetou até mesmo os comentaristas do Webcast em Português, como muitos puderam ouvir no áudio que vazou dos microfones do estúdio na Califórnia, onde agora são gravadas as vozes das transmissões. Durante os primeiros cinco minutos deste vídeo, do YouTube da própria ASP, os comentaristas “em off” discutiam indignados sobre as condições do trabalho, que segundo eles no final das contas era bancado de seus próprios bolsos. Aguardamos cenas dos próximos capítulos…

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