Divagar e Sempre: Multi-instrumentista

Cedo ou tarde a pergunta acaba voltando: “por que tantas pranchas?”.

Estou prestes a mudar de apartamento e dessa vez a pergunta veio da minha namorada. E não foi a primeira vez. Ela me conhece há muito tempo e pranchas sempre estiveram presentes. Mas sabe como é, a pergunta sempre acaba voltando.

Não é culpa dela. Já ouvi a mesma pergunta de muita gente. Especialmente quando encontram meu quiver escondido atrás da porta da lavanderia. Tem umas 20 e poucas pranchas entulhadas lá. Além dessas, tenho mais algumas espalhadas por outros cantos. Devem ser umas 40 ao todo. Mas posso estar errado.

Seria ótimo poder juntar todas em um lugar só. Olhar para elas como troféus em uma estante. Mas não é tão simples assim. Tento manter por perto as que surfam melhor enquanto as de coleção juntam mais poeira do que eu gostaria.

Fotos: Sebastian Rojas

Mas é sempre difícil responder a tal pergunta. Por quê eu tenho tantas pranchas? Na verdade, a resposta é fácil. Está sempre na ponta da língua. A dificuldade é fazer o outro entender.

“Cada prancha serve para um tipo de onda diferente” ou “elas fazem manobras diferentes”, até “é porque se quebra uma, tem sempre outra para colocar no lugar”. Mas quase sempre o interlocutor faz aquela cara de paisagem e responde com um sonoro e bovino “hmmm, entendi”. O que confirma que ele não entendeu coisa alguma.

Talvez seja culpa minha. Por preguiça ou vergonha de parecer maluco, evito admitir que para mim pranchas de surfe são como instrumentos musicais. Porque é exatamente assim que as vejo. É a analogia perfeita para explicar minha relação com pranchas de surfe.

Pranchas são como instrumentos musicais. Cada uma faz um som diferente. Cada uma tem um timbre, uma textura, uma voz. Já ouvi que colecionar pranchas não é necessidade, é puro capricho. Mas será que pode ser o contrário?

Pense assim, todo mundo tem uma música favorita. Capaz de trazer memórias marcantes, boas ou ruins, mas sempre capaz de fazer sentir. Essa música resiste ao tempo, à moda, aos costumes e as vezes até a nossa própria vontade.

Nossa música nos marca.

Fotos: Sebastian Rojas

Agora imagine ser obrigado a escutar sua canção favorita sempre. Ela deixaria de ser especial, certo? E logo escutar música seria algo absolutamente entediante. Os mesmos acordes, a mesma melodia, as mesmas palavras. Por melhor que seja sua música favorita, ouvi-la sempre acabaria com seu encanto.

É por isso que ter um monte de pranchas é uma necessidade. É a diversidade, a pluralidade de sensações e a novidade que cada uma delas traz, que mantém encantado com o ato de pegar ondas.

Surfar com a mesma prancha é como tocar a mesma música, usando o mesmo instrumento musical. E assim como artistas estão sempre em busca de novas formas e meios de expressão, surfistas são incansáveis na busca por ondas diferentes novas maneiras de deslizar sobre elas.

Portanto, ter muitas pranchas para mim é mais que uma necessidade. É o que renova meu encantamento pela arte que me cativa. É ter sempre a disposição o instrumento perfeito para me encaixar no tom e não desafinar. A prancha certa, na hora certa, me deixa livre para improvisar dentro do campo harmônico perfeito, em sincronia com o grande maestro da natureza: o mar.

– Junior Faria

Foto: Sebastian Rojas

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