Monólogo: Pablo Aguiar

Pablo Aguiar é a mente por trás das pérolas dos tempos contemporâneos do surf nacional, os filmes longa-metragem Delirium e Deslumbre. Trabalhando com um elenco exclusivamente nacional (desde personagens do cenário underground como Alan Fendrich até ícones da elite mundial como Gabriel Medina), suas produções também possuem temáticas interessantes que abordam o meio ambiente e a humanidade, além de uma qualidade cinematográfica que pode ser colocada no mesmo patamar de grandes produções internacionais do gênero. Atualmente, além dos trabalhos de produção de vídeo para algumas das grandes marcas do segmento pela Bulletree Filmes, o catarinense também é um dos cabeças do projeto Derivamag, uma revista eletrônica sobre surf e lifestyle, com vídeos periódicos que certamente você já deve ter assistido por aqui na Layback. Conheça agora um pouco do que passa pela sua cabeça hoje em dia:


Pretendo fazer um novo filme em setembro, mas está sendo quase impossível reunir a galera pra fazer uma barca. Você tem que conciliar a sua disponibilidade com a dos surfistas, e o calendário desse ano está bem complicado. Estou tendo que optar pela galera do WQS ou do WCT, pois vai ser difícil juntar os dois grupos, na verdade eu acho que o filme não vai nem rolar esse ano. Quem sabe ano que vem… Antes eu queria fazer em julho, mas anunciaram a volta da etapa de J-Bay e estragou o plano. A logística do filme é uma parte difícil e que te deixa bem frustrado às vezes. Na hora de vender as cotas de patrocínio também, por exemplo, você cria uma expectativa e acaba sendo outra.  A verdade é que o cara faz o filme muito mais pelo amor… Eu realmente gosto muito, curto não só produzir mas também estar com a galera, fico amarradão quando consigo filmar um aéreo irado, ou então, quando o mar está clássico e eu fico com vontade de surfar, acabo curtindo do mesmo jeito pois sei que estou conseguindo um material irado para o filme. Mas de vez em quando é preciso ser um empresário mesmo, correr atrás da galera, ver as datas, fechar os patrocínios e fazer de tudo. E isso tudo não é simples. Pros film makers de fora eu acredito que isso tudo seja mais fácil, pois no exterior a galera investe muito mais e os caras tem um orçamento bem maior.


Eu faço algo que estou afim e não me preocupo em agradar aos outros. Se não fica complicado, principalmente em relação às trilhas sonoras. Então acaba que eu não fico vendo muito o feedback do público, sabe? Mas de qualquer jeito parece que a galera curtiu os longas Delirium e Deslumbre, nós enviamos eles através do nosso assessor André Magarão para alguns sites gringos e tivemos um feedback legal. Nos festivais Mimpi as pessoas pareceram ter gostado também.


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Pablo Aguiar, do outro lado das lentes. Foto: Osvaldo Pok


Os vídeos de surf e skate na Internet te consomem por um lado que te dificultam a produzir vídeos originais. Eu curto muito esses filmes de esporte de ação, acompanho alguma coisa de skate às vezes, mas eu não me prendo em uma coisa só. Às vezes é melhor você não ter referências de estilo de edição e filmagem, e se desvincular de tudo para realmente produzir algo legítimo. Sem falar também que a produção desses webvídeos é uma coisa totalmente diferente, você tem que gerar o conteúdo de forma muito rápida e o cara acaba não dando a mesma atenção e carinho que um projeto de longa-metragem normalmente recebe. A produção tem outra pegada, eu costumo dizer até que esses webvídeos são meio que “ejaculação precoce”. Mas a web hoje realmente é a grande força, não vejo outro meio para a veiculação desses vídeos nos próximos anos, o DVD está ficando extinto.


Eu curto pra caramba o estilo do Tarantino. Os filmes dele são fodas – gosto da  estética e da edição. No surf, o Joe G é o melhor film maker da atualidade sem sombra de dúvidas. Ele tem uma pegada boa, uma estética muito bonita por filmar tudo em Super 16mm, e por isso inspira muita gente. Inclusive tem o novo filme dele que está saindo agora [Strange Rumblings in Shangri-La] e acho que vai ser foda, como todos os outros que ele já fez. O Kai Neville também está vindo com um novo filme aí que vai ser na fórmula antiga, dividido em capítulos, com uma sessão para cada atleta, assim como foi o meu primeiro filme. Ele é outro cara que também manda muito bem. No Brasil, eu vejo o Loïc [Wirth] como um dos melhores.


Os patrocinadores deveriam dar uma verba anual para os surfistas investirem num videomaker e fazerem trips pra gravações, isso é uma parada óbvia. Alguns surfistas de elite podem até ficar um pouco de “pão durisse” e não investirem num trabalho de vídeos, mas eu entendo também o fato deles terem outras prioridades para dar o gás. Mas de qualquer jeito acho que esse trabalho tem que vir muito mais dos patrocinadores do que dos atletas. As marcas deviam ter a consciência que o cara surfa pra caramba e que um dia ele pode dar a manobra da vida e não ter ninguém filmando…


É comum o surfista estar tão “bitolado” em competição que quando chega na sessão de filmagem ele quer surfar como se estivesse competindo. Daí você tem que botar aquela pilha: “Porra velho, para de querer competir, vai lá e tenta a manobra da sua vida, nem que seja uma manobra só.” Isso funciona bastante, pois a galera se instiga. Quando a gente está gravando rola de um querer fazer uma performance melhor que a do outro, então a própria galera se estimula entre si. Às vezes na primeira sessão eu vejo que a galera não desenvolveu muito algum tipo de manobra, e na próxima eu começo a botar pilha: “Pô tenta isso, tenta aquilo…“. De vez em quando até para o próprio surfista alguma manobra cai no esquecimento, e estar relembrando a eles disso é bom. Alguns caras têm sido muito bons de filmar, como o Filipinho, por exemplo, que está mandando pra caralho, e o Yago também, que é style de filmar. Os dois sempre rendem bastante coisa, mas não digo que são favoritos, não existe um cara que seja o meu preferido de filmar.


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Para os mais íntimos: Blitz, Oop. Foto: Osvaldo Pok


Fazer vídeos de skate é até mais manero do que de surf. No surf você depende das condições do mar, no skate o obstáculo está sempre ali parado e você pode fazer milhares de ângulos, dá pra usar muito mais a sua criatividade. Eu gosto de documentar os dois esportes, mas no skate dá pra pirar bem mais, digamos assim. Só que o skate tem muito menos investimento do que o surf no Brasil, então acaba sendo difícil viabilizar a produção de um vídeo de skate maneiro… Mas o esporte é animal, os skatistas deveriam ser bem mais valorizados do que são. Também acho legal que os caras são bem mais “true” ao esporte.


Eu nem vejo tanto quais mercados estão crescendo para o futuro, pretendo continuar fazendo vídeos de surf e skate porque gosto mesmo. Ou seja, eu me vejo fazendo no futuro o que já faço hoje, só que sempre tentando diversificar e trabalhar a criatividade. Estou sempre tentando produzir algo diferente do que estou acostumado, agora na produtora estamos nos envolvendo mais com vídeos de moda, um tema que acho irado e que não costumávamos fazer antes. É legal também trabalhar esse lado criativo e não ficar preso numa coisa só. Também penso em fazer no futuro algum vídeo contando uma história, talvez sobre a vida de uma pessoa, com uma narrativa mesmo, diferente desses clipes que estou acostumado a fazer de surf, skate e moda.


Eu até tenho vontade de produzir algo com surfistas gringos também, mas os caras são muito fechados entre eles. É foda, quando você chega lá fora e fala que é brasileiro, os caras já te olham com outros olhos. Por mais que o nosso trabalho não esteja abaixo do deles, rola um preconceito, então eu nunca me envolvi assim com uma galera gringa para produzir. Se alguma empresa lá de fora me contratasse para algum projeto eu toparia, mas eu não iria até lá tentar arrumar algo, ficar babando ovo dos gringos… Até por isso que o Deriva é uma parada que a gente quer fazer sem botar gringo nenhum, nós queremos focar nos moleques daqui, valorizar o que é nosso. As revistas brasileiras colocam material dos gringos mas as de fora não botam nada nosso, agora que estão começando a botar mais na verdade. A idéia é tentar valorizar o máximo o que é daqui.

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